"Esquece a vida, esquece o mundo e anda!", foi o que eu disse há muitos anos atrás a uma amiga e hoje resolvi seguir o meu próprio conselho.
Já que esta época enregelada, de memórias tristes, não tem nada para me oferecer nem eu a ela, por que não me afastar de tudo e ir de férias? Pode ser tomado como cobardia: fugir às festas deprimentes, ao superficial consumismo e às aparências de laços familiares cujo nó só é dado forçosamente uma vez por ano numa confusão tão atordoante de comezainas e oferendas eufóricas, que ninguém se apercebe bem do que se passa. Eu tomo como um acto de liberdade.
Na verdade, não pensei muito nisto e ainda bem, porque assim não me dei à hipótese de desistir.
Por mais doido que possa parecer, há uma semana atrás, coloquei um anúncio a dizer que se procurava companhia para viajar durante o mês de Dezembro com partida a 02 Dez. na Praça da Reconquista, num daqueles sites que há para anunciar de borla - até porque o meu esforço não era muito e não me parecia provável que alguém respondesse dada a loucura do pretendido. Se alguém viesse, óptimo - especialmente para partilhar as despesas -, sempre dependi da bondade de estranhos... Estou a brincar, mas quem já marcou um encontro com um desconhecido sabe o mundo de possibilidades, o novo começo de algo, que isso proporciona, e talvez até consiga nem que por instantes apagar quem foi até então.
Não é que tive resposta ao anúncio? A única coisa que eu pedia, já mais consciente daquilo que tinha iniciado, era que não fosse ninguém mais maluco do que eu. Cheguei à praça uns minutos antes para conseguir parar o carro e vi um tipo, jovem, com um ar meio desligado, que me parecia ser quem me contactou pois tinha-me dito que estaria com uma mochila cinzenta à espera no local indicado. Fiz uns sinais de luzes e ele denunciou-se, entrou no carro, colocou a mochila, que logo achei pequena demais para uma viagem de um mês, nos bancos de trás e apresentou-se como sendo o Luís. Eu só lhe disse "Olá, eu sou a Sara. Vamos andando?" e ele limitou-se a anuir sorridente, acenando com a cara para cima e para baixo. A cara dele não me era estranha, mas admito que hoje em dia apesar de me serem pessoas estranhas têm todas caras com traços que reconheço talvez por associação. Instalou-se um silêncio para o qual eu tinha a desculpa de ter de estar concentrada para fintar as ruas apinhadas da cidade e ainda pensei em ligar o rádio, mas tal acto naquelas circunstâncias poderia ser considerado como opressor do diálogo. Assim seguimos até à auto-estrada. Curiosamente, depois de sairmos da atribulação que parecia nos contranger a fala, e estarmos desafogados na auto-estrada, começámos a conversar sobre de onde tínhamos vindo e porque é que nos tínhamos aventurado nesta viagem no inóspito mês de Dezembro.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
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- Project December 08
- Assim de repente: um conto online onde escrevem dois estranhos, que se encontram apenas num blog, na época mais deprimente do ano.
2 comentários:
Duas almas encontradas no tecido da realidade.
Dois destinos aprumados para uma viagem em comum.
Pequenas loucuras da vida apenas nos trazem a experiência.
Pequenos passos no caminho que nos deixam mais ricos.
Temos o desejo da mudança, o valor da esperança e o sentimento do futuro.
Apenas por eles temos de lutar, por eles temos de procurar.
Será sempre o desconhecido que nos atraí, a inquietude que nos mistura, e a curiosidade que nos abre os olhos para a diferença que podemos sempre fazer no nosso próprio mundo.
Somos assim, seres de mudança, de vivência.
Seres que partilham os olhares, que em grupo nos tornamos maiores.
O como tal a solidão não nos apraz, nem a estagnação nos faz viver.
E como tal seguimos, nessa estrada, nesse Dezembro em busca do que se segue.
E como tal sonhamos, com o que mais procuramos de nós mesmos...
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