terça-feira, 2 de dezembro de 2008

03 de Dezembro

"Esquece a vida, esquece o mundo e anda!", foi o que eu disse há muitos anos atrás a uma amiga e hoje resolvi seguir o meu próprio conselho.

Já que esta época enregelada, de memórias tristes, não tem nada para me oferecer nem eu a ela, por que não me afastar de tudo e ir de férias? Pode ser tomado como cobardia: fugir às festas deprimentes, ao superficial consumismo e às aparências de laços familiares cujo nó só é dado forçosamente uma vez por ano numa confusão tão atordoante de comezainas e oferendas eufóricas, que ninguém se apercebe bem do que se passa. Eu tomo como um acto de liberdade.

Na verdade, não pensei muito nisto e ainda bem, porque assim não me dei à hipótese de desistir.
Por mais doido que possa parecer, há uma semana atrás, coloquei um anúncio a dizer que se procurava companhia para viajar durante o mês de Dezembro com partida a 02 Dez. na Praça da Reconquista, num daqueles sites que há para anunciar de borla - até porque o meu esforço não era muito e não me parecia provável que alguém respondesse dada a loucura do pretendido. Se alguém viesse, óptimo - especialmente para partilhar as despesas -, sempre dependi da bondade de estranhos... Estou a brincar, mas quem já marcou um encontro com um desconhecido sabe o mundo de possibilidades, o novo começo de algo, que isso proporciona, e talvez até consiga nem que por instantes apagar quem foi até então.

Não é que tive resposta ao anúncio? A única coisa que eu pedia, já mais consciente daquilo que tinha iniciado, era que não fosse ninguém mais maluco do que eu. Cheguei à praça uns minutos antes para conseguir parar o carro e vi um tipo, jovem, com um ar meio desligado, que me parecia ser quem me contactou pois tinha-me dito que estaria com uma mochila cinzenta à espera no local indicado. Fiz uns sinais de luzes e ele denunciou-se, entrou no carro, colocou a mochila, que logo achei pequena demais para uma viagem de um mês, nos bancos de trás e apresentou-se como sendo o Luís. Eu só lhe disse "Olá, eu sou a Sara. Vamos andando?" e ele limitou-se a anuir sorridente, acenando com a cara para cima e para baixo. A cara dele não me era estranha, mas admito que hoje em dia apesar de me serem pessoas estranhas têm todas caras com traços que reconheço talvez por associação. Instalou-se um silêncio para o qual eu tinha a desculpa de ter de estar concentrada para fintar as ruas apinhadas da cidade e ainda pensei em ligar o rádio, mas tal acto naquelas circunstâncias poderia ser considerado como opressor do diálogo. Assim seguimos até à auto-estrada. Curiosamente, depois de sairmos da atribulação que parecia nos contranger a fala, e estarmos desafogados na auto-estrada, começámos a conversar sobre de onde tínhamos vindo e porque é que nos tínhamos aventurado nesta viagem no inóspito mês de Dezembro.

2 comentários:

WordsGame disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
WordsGame disse...

Duas almas encontradas no tecido da realidade.

Dois destinos aprumados para uma viagem em comum.

Pequenas loucuras da vida apenas nos trazem a experiência.
Pequenos passos no caminho que nos deixam mais ricos.

Temos o desejo da mudança, o valor da esperança e o sentimento do futuro.

Apenas por eles temos de lutar, por eles temos de procurar.

Será sempre o desconhecido que nos atraí, a inquietude que nos mistura, e a curiosidade que nos abre os olhos para a diferença que podemos sempre fazer no nosso próprio mundo.

Somos assim, seres de mudança, de vivência.
Seres que partilham os olhares, que em grupo nos tornamos maiores.

O como tal a solidão não nos apraz, nem a estagnação nos faz viver.

E como tal seguimos, nessa estrada, nesse Dezembro em busca do que se segue.

E como tal sonhamos, com o que mais procuramos de nós mesmos...

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Assim de repente: um conto online onde escrevem dois estranhos, que se encontram apenas num blog, na época mais deprimente do ano.