"Olá, Luís, dormiste bem? Não tiveste nenhum pesadelo comigo a perseguir-te com um arco de violoncelo, pois não?", brinquei eu com um humor inexplicavelmente elevado para quem tinha acabado de acordar.
Passámos este últimos dois dias a falar sobre nós e eu começo a pensar que lhe devia contar o verdadeiro motivo pelo qual embarquei nesta viagem. Perguntei-lhe pela família, por que não passava o Natal com eles, ao que ele me respondeu: "A minha mãe e a minha irmã moram no sul do país e como o meu pai trabalha em barcos e viaja por todo o mundo, eu fiquei de lá ir depois de Janeiro quando o meu pai também estiver em casa.
Entretanto, descobri que o Luís era mais novo que eu 5 anos, tinha portanto 23, e a irmã dele tinha apenas 16 anos. Toda esta história da família do Luís fez-me lembrar o motivo que me havia levado a fugir para bem longe nesta época e me deixava agora com uma sensação de angústia única semelhante à que senti há semanas atrás.
Dois dias antes de eu ter colocado o anúncio no jornal, o meu pai contou-me que eu e a Inês, minha irmã que tem apenas menos 3 anos que eu, temos mais dois irmãos, mais novos que nós. Que depois da minha mãe ter falecido aquando do parto da minha irmã, o meu pai que naturalmente ficara arrasado conheceu uma mulher que o apoiou bastante e com que ele mantém um relacionamento até hoje que resultara num filho com menos dois anos que a Inês e numa rapariga adolescente com 16 anos. Ainda me disse que todos estes anos, por várias vezes me quis contar, mas sempre esperava para quando eu e a minha irmã fôssemos mais velhas; que foi muito difícil para ele gerir esta situação, que quando dizia que ia em viagens de negócios e nos deixava com a dona Teresa, empregada em nossa casa, na verdade ia para o sul ter com a outra família que até hoje desconhecia a verdade... blábláblá... era o que às tantas eu ouvia, já que não escutei mais nada a partir daí...
Como é de se imaginar, eu fiquei completamente atónita, a pensar que ele estava a brincar comigo, seguiu-se então uma espécie de revolta crescente por ter sido enganada estes anos todos e quis fugir para bem longe. Assim fiz para que acontecesse, mas no fundo devia pensar que não conseguiria ou não fosse muito aconselhável partir sozinha nesta época deprimente e daí também a colocação do anúncio.
"Então e tu Sara? Tens irmãos?" aproveitou ele o contexto para finalmente descobrir mais sobre a sua misteriosa, e até então insondável, companheira de viagem.
"É engraçado, eu também tenho uma irmã mais nova, mas são só dois anos de diferença, ela tem 25.", respondi-lhe eu ainda a pensar no passado recente que me levou a precipitar nesta fuga.
"Aha, agora também já sei a tua idade, confesso que não pensei que fosses assim tão mais velha do que eu!"
"Vê lá se não ficas já por aqui na estrada, ó puto novo!", interrompi eu num tom ameaçador e ao mesmo tempo jocoso, sem que isso desfizesse a sombra de dúvidas que pairava no meu pensamento.
Desatámos a rir com as nossas conversas e continuámos de olhos na estrada, ávidos de paisagem como se corrêssemos quiómetros a pé numa planície sem destino, mas a querer chegar a algum lado, até que eu avistei uma placa a dizer "Setradinha do Alto" e virei à direita conforme tinha planeado.
domingo, 28 de dezembro de 2008
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- Assim de repente: um conto online onde escrevem dois estranhos, que se encontram apenas num blog, na época mais deprimente do ano.
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