quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
31 de Dezembro
Percebia agora mais da vontade da minha companheira para se ter aventurado na nossa inesperada viagem. Compreendi-lhe a revolta invernal. Sabia no entanto que não era apenas isso que a movia, e que nos movia. O deslumbramento com que olhava a serra que íamos subindo era talvez a segunda grande razão da viagem. Era óbvio o prazer que tinha na descoberta. O carro ondulava numa serra de incertezas, de ribeiros, de cores e de insuspeitas surpresas que só o são para quem vive há demasiado tempo em lameiros de cimento. O acidentado terreno fazia mover ainda mais os dois dados que ela tinha pendurado no espelho retrovisor. Um aveludado e propositado objecto kitsch que, estranhamente, ficava bem no branco carro, e, curiosamente, retratava na perfeição a viagem.. um jogo de acasos fascinante e incompreensível.
Seguíamos em frente, sem qualquer indicação para que o fizéssemos de outra forma. A estrada larga, cada vez era mais estreita, as curvas mais apertadas e o alcatrão ameaçava nos abandonar. E, 2 curvas a seguir, abandonou mesmo, seguíamos agora numa estrada de terra e movíamo-nos numa paisagem totalmente natural o que fascinou ainda mais a Sara. Parecia já não existir possibilidade de vermos alguma localidade e, eis que, depois de um sobreiro enorme e de uma apertada curva, chegámos a uma aldeia de xisto. “São Pedro do Monte” lia-se pintado nuns fantásticos azulejos que ameaçavam cair de uma placa abandonada. A aldeia não deveria ter mais de 20 casas, curiosamente, ostentava no centro um coreto, impecavelmente pintado.
- Gosto deste sítio – Disse Sara, sorrindo para dentro, como tanta vezes fazia, e que lhe ficava bem. Parecia adivinhar o destino da viagem próximo. De facto, ao contrário do pensei inicialmente, apercebia-me que existem estradas que parecem ter fim.. e que existem destinos que nem sempre acabam no mar. A acidentada estrada de terra, parecia destinar-nos cada vez mais a um profunda serra. Passámos a aldeia e no primeiro cruzamento, mesmo à saída, virámos à direita. Neste percurso éramos acompanhados do olhar curioso de um pastor que se aproximava da aldeia. A estrada subitamente ficou ainda mais acidentada e muito mais estreita. A Sara decidiu parar o carro, estacionou debaixo de um grande freixo que parecia estar ali para uma sombra que não se justificava naquele Inverno.
- Vamos? -Perguntou ela sorrindo e desafiando-me.
- Claro! - Respondi eu, sorrindo também. Tirou uma pequena mochila do carro, e eu tirei também a minha. Começamos a andar e o íntimo sorriso de Sara não a abandonava nem uma paisagem que se iluminava por um inesperado sol. Não sabia se sorria por achar a situação caricata, se sorria por se aperceber de um destino próximo que parecia agradar-lhe. Não tentei esclarecer, gostava do sorriso, qualquer que fosse o motivo.
Logo a seguir à primeira curva da estrada, que se tinha transformado, em alguns metros, num caminho ladeado por um muro, vimos uma casa de pedra. Uma pequena casa em que se destacava uma janela azul e que tinha na sua frente um enorme vale.
Chegámos mais próximo, reparámos que na frente da casa, virada para a colina, existiam dois bancos de pedra, que se pareciam tronos de uma inebriante paisagem de um sol reflectido em todos as folha das fantásticas árvores daquele vale e de um pequeno ribeiro que corria em direcção à aldeia, que também se via dali, através do íngreme vale. Sara parecia maravilhada com o lugar.
- Luís, será que mora cá alguém? - Os pequenos arbustos que se encontravam junto às paredes da casa pareciam dar a resposta. Cheguei junto da porta da frente e bati, apercebendo-me depois, que não saberia minimamente o que dizer que alguém vivesse ali.
- Luís, não vive cá ninguém - Disse a Sara enquanto olhava para dentro da casa pela única janela de vidro que não estava fechada com outras janelas de madeira. Apercebi-me que a porta estava apenas encostada, resolvi entrar. A Sara seguiu-me. Lá dentro uma série de móveis empilhados estavam cobertos por plásticos transparentes. Todos os móveis eram muito antigos. Uma grande lareira dominava a sala de entrada e, do lado esquerdo, ficava a cozinha. Igualmente tudo era velho, um fogão e um pequeno frigorífico, também estes tapados por plástico. Ao fundo, um corredor desembocava em 2 pequenos quartos e uma pequena casa de banho ladeava uma porta que dava para uma outra saída para a rua e para um limoeiro. Reparei também que o me parecia apenas uma pequena casa de aldeia, tinha deixado Sara fascinada.
- Pronto Sara, foi aqui que nos trouxe o acaso da viagem - Disse eu, a sentir falta de uma estrada que acabasse numa praia.
- Fantástico! - dizia ela enquanto olhava para o vale desta vez através da janela de casa com um sorriso que há muito deixou de ser íntimo. – Acho este local perfeito Luís, é mesmo aqui que vou ficar.
- Como “vais ficar”? Não querias só saber onde o destino te levaria?
- Sim, onde me levaria e onde quereria que ficasse.
- Sara, tu vais ficar aqui? – Perguntei surpreso
- Acho que não haverá problema, irei ainda hoje à aldeia tentar saber de quem é a casa, com certeza vai querer me alugar, não penso que tenha concorrência para o negócio - Disse novamente voltando ao sorriso íntimo e a uma tentativa de espreitar os móveis debaixo dos plásticos.
- Mas o que achas que este sítio te pode trazer de novo, o que há para aprender aqui? - Disse, cada vez mais perplexo com a situação.
- Será que o destino nos quer sempre ensinar alguma coisa? Talvez não. Em todo o caso se ficar aqui logo descobrirei.
- Mas Sara, não achas, eventualmente, este lugar estupidamente só?
- Um pouco, mas nem tanto, a aldeia fica já aqui ao lado.
Sentei-me na parte de fora da casa, num dos bancos de pedra, olhando o vale e o Sol que se aproximava da serra em frente. Não compreendia a situação. A Sara aproximou-se e sentou ao meu lado, e também ela ficou a olhar a mesma paisagem.
- Não te preocupes Luís, posso ainda hoje levar-te à cidade mais próxima e poderás apanhar o comboio para Lisboa.
- Mas eu não quero voltar para Lisboa.. O que me preocupa é, e apenas, tu não achares isto uma solidão atroz?
- Só há uma forma de ser um pouco menos. - Disse sorrindo novamente enquanto o fumo de uma chaminé da aldeia descia no vale.
Sorri.. percebendo a pergunta e menos aquele fumo que descia.
- E achas que vais conseguir ensinar-me os tais arcos de violino segundo o oculto e virtuoso método? – Perguntei olhando para o chão.
- Violoncelo..
- Isso..
- Se prometeres que não vais contar às pessoas de São Pedro do Monte.
O fumo descia ainda mais, e quase que chegava ao riacho.
- Sim, acho que posso prometer.
A Sara aproximou-se de mim e colocou a cabeça no meu ombro enquanto eu punha o meu braço em volta do seu ombro. O seu sorriso íntimo acabara de se tornar também o meu.
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- Assim de repente: um conto online onde escrevem dois estranhos, que se encontram apenas num blog, na época mais deprimente do ano.
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