quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
31 de Dezembro
Percebia agora mais da vontade da minha companheira para se ter aventurado na nossa inesperada viagem. Compreendi-lhe a revolta invernal. Sabia no entanto que não era apenas isso que a movia, e que nos movia. O deslumbramento com que olhava a serra que íamos subindo era talvez a segunda grande razão da viagem. Era óbvio o prazer que tinha na descoberta. O carro ondulava numa serra de incertezas, de ribeiros, de cores e de insuspeitas surpresas que só o são para quem vive há demasiado tempo em lameiros de cimento. O acidentado terreno fazia mover ainda mais os dois dados que ela tinha pendurado no espelho retrovisor. Um aveludado e propositado objecto kitsch que, estranhamente, ficava bem no branco carro, e, curiosamente, retratava na perfeição a viagem.. um jogo de acasos fascinante e incompreensível.
Seguíamos em frente, sem qualquer indicação para que o fizéssemos de outra forma. A estrada larga, cada vez era mais estreita, as curvas mais apertadas e o alcatrão ameaçava nos abandonar. E, 2 curvas a seguir, abandonou mesmo, seguíamos agora numa estrada de terra e movíamo-nos numa paisagem totalmente natural o que fascinou ainda mais a Sara. Parecia já não existir possibilidade de vermos alguma localidade e, eis que, depois de um sobreiro enorme e de uma apertada curva, chegámos a uma aldeia de xisto. “São Pedro do Monte” lia-se pintado nuns fantásticos azulejos que ameaçavam cair de uma placa abandonada. A aldeia não deveria ter mais de 20 casas, curiosamente, ostentava no centro um coreto, impecavelmente pintado.
- Gosto deste sítio – Disse Sara, sorrindo para dentro, como tanta vezes fazia, e que lhe ficava bem. Parecia adivinhar o destino da viagem próximo. De facto, ao contrário do pensei inicialmente, apercebia-me que existem estradas que parecem ter fim.. e que existem destinos que nem sempre acabam no mar. A acidentada estrada de terra, parecia destinar-nos cada vez mais a um profunda serra. Passámos a aldeia e no primeiro cruzamento, mesmo à saída, virámos à direita. Neste percurso éramos acompanhados do olhar curioso de um pastor que se aproximava da aldeia. A estrada subitamente ficou ainda mais acidentada e muito mais estreita. A Sara decidiu parar o carro, estacionou debaixo de um grande freixo que parecia estar ali para uma sombra que não se justificava naquele Inverno.
- Vamos? -Perguntou ela sorrindo e desafiando-me.
- Claro! - Respondi eu, sorrindo também. Tirou uma pequena mochila do carro, e eu tirei também a minha. Começamos a andar e o íntimo sorriso de Sara não a abandonava nem uma paisagem que se iluminava por um inesperado sol. Não sabia se sorria por achar a situação caricata, se sorria por se aperceber de um destino próximo que parecia agradar-lhe. Não tentei esclarecer, gostava do sorriso, qualquer que fosse o motivo.
Logo a seguir à primeira curva da estrada, que se tinha transformado, em alguns metros, num caminho ladeado por um muro, vimos uma casa de pedra. Uma pequena casa em que se destacava uma janela azul e que tinha na sua frente um enorme vale.
Chegámos mais próximo, reparámos que na frente da casa, virada para a colina, existiam dois bancos de pedra, que se pareciam tronos de uma inebriante paisagem de um sol reflectido em todos as folha das fantásticas árvores daquele vale e de um pequeno ribeiro que corria em direcção à aldeia, que também se via dali, através do íngreme vale. Sara parecia maravilhada com o lugar.
- Luís, será que mora cá alguém? - Os pequenos arbustos que se encontravam junto às paredes da casa pareciam dar a resposta. Cheguei junto da porta da frente e bati, apercebendo-me depois, que não saberia minimamente o que dizer que alguém vivesse ali.
- Luís, não vive cá ninguém - Disse a Sara enquanto olhava para dentro da casa pela única janela de vidro que não estava fechada com outras janelas de madeira. Apercebi-me que a porta estava apenas encostada, resolvi entrar. A Sara seguiu-me. Lá dentro uma série de móveis empilhados estavam cobertos por plásticos transparentes. Todos os móveis eram muito antigos. Uma grande lareira dominava a sala de entrada e, do lado esquerdo, ficava a cozinha. Igualmente tudo era velho, um fogão e um pequeno frigorífico, também estes tapados por plástico. Ao fundo, um corredor desembocava em 2 pequenos quartos e uma pequena casa de banho ladeava uma porta que dava para uma outra saída para a rua e para um limoeiro. Reparei também que o me parecia apenas uma pequena casa de aldeia, tinha deixado Sara fascinada.
- Pronto Sara, foi aqui que nos trouxe o acaso da viagem - Disse eu, a sentir falta de uma estrada que acabasse numa praia.
- Fantástico! - dizia ela enquanto olhava para o vale desta vez através da janela de casa com um sorriso que há muito deixou de ser íntimo. – Acho este local perfeito Luís, é mesmo aqui que vou ficar.
- Como “vais ficar”? Não querias só saber onde o destino te levaria?
- Sim, onde me levaria e onde quereria que ficasse.
- Sara, tu vais ficar aqui? – Perguntei surpreso
- Acho que não haverá problema, irei ainda hoje à aldeia tentar saber de quem é a casa, com certeza vai querer me alugar, não penso que tenha concorrência para o negócio - Disse novamente voltando ao sorriso íntimo e a uma tentativa de espreitar os móveis debaixo dos plásticos.
- Mas o que achas que este sítio te pode trazer de novo, o que há para aprender aqui? - Disse, cada vez mais perplexo com a situação.
- Será que o destino nos quer sempre ensinar alguma coisa? Talvez não. Em todo o caso se ficar aqui logo descobrirei.
- Mas Sara, não achas, eventualmente, este lugar estupidamente só?
- Um pouco, mas nem tanto, a aldeia fica já aqui ao lado.
Sentei-me na parte de fora da casa, num dos bancos de pedra, olhando o vale e o Sol que se aproximava da serra em frente. Não compreendia a situação. A Sara aproximou-se e sentou ao meu lado, e também ela ficou a olhar a mesma paisagem.
- Não te preocupes Luís, posso ainda hoje levar-te à cidade mais próxima e poderás apanhar o comboio para Lisboa.
- Mas eu não quero voltar para Lisboa.. O que me preocupa é, e apenas, tu não achares isto uma solidão atroz?
- Só há uma forma de ser um pouco menos. - Disse sorrindo novamente enquanto o fumo de uma chaminé da aldeia descia no vale.
Sorri.. percebendo a pergunta e menos aquele fumo que descia.
- E achas que vais conseguir ensinar-me os tais arcos de violino segundo o oculto e virtuoso método? – Perguntei olhando para o chão.
- Violoncelo..
- Isso..
- Se prometeres que não vais contar às pessoas de São Pedro do Monte.
O fumo descia ainda mais, e quase que chegava ao riacho.
- Sim, acho que posso prometer.
A Sara aproximou-se de mim e colocou a cabeça no meu ombro enquanto eu punha o meu braço em volta do seu ombro. O seu sorriso íntimo acabara de se tornar também o meu.
domingo, 28 de dezembro de 2008
29 Dezembro
"Olá, Luís, dormiste bem? Não tiveste nenhum pesadelo comigo a perseguir-te com um arco de violoncelo, pois não?", brinquei eu com um humor inexplicavelmente elevado para quem tinha acabado de acordar.
Passámos este últimos dois dias a falar sobre nós e eu começo a pensar que lhe devia contar o verdadeiro motivo pelo qual embarquei nesta viagem. Perguntei-lhe pela família, por que não passava o Natal com eles, ao que ele me respondeu: "A minha mãe e a minha irmã moram no sul do país e como o meu pai trabalha em barcos e viaja por todo o mundo, eu fiquei de lá ir depois de Janeiro quando o meu pai também estiver em casa.
Entretanto, descobri que o Luís era mais novo que eu 5 anos, tinha portanto 23, e a irmã dele tinha apenas 16 anos. Toda esta história da família do Luís fez-me lembrar o motivo que me havia levado a fugir para bem longe nesta época e me deixava agora com uma sensação de angústia única semelhante à que senti há semanas atrás.
Dois dias antes de eu ter colocado o anúncio no jornal, o meu pai contou-me que eu e a Inês, minha irmã que tem apenas menos 3 anos que eu, temos mais dois irmãos, mais novos que nós. Que depois da minha mãe ter falecido aquando do parto da minha irmã, o meu pai que naturalmente ficara arrasado conheceu uma mulher que o apoiou bastante e com que ele mantém um relacionamento até hoje que resultara num filho com menos dois anos que a Inês e numa rapariga adolescente com 16 anos. Ainda me disse que todos estes anos, por várias vezes me quis contar, mas sempre esperava para quando eu e a minha irmã fôssemos mais velhas; que foi muito difícil para ele gerir esta situação, que quando dizia que ia em viagens de negócios e nos deixava com a dona Teresa, empregada em nossa casa, na verdade ia para o sul ter com a outra família que até hoje desconhecia a verdade... blábláblá... era o que às tantas eu ouvia, já que não escutei mais nada a partir daí...
Como é de se imaginar, eu fiquei completamente atónita, a pensar que ele estava a brincar comigo, seguiu-se então uma espécie de revolta crescente por ter sido enganada estes anos todos e quis fugir para bem longe. Assim fiz para que acontecesse, mas no fundo devia pensar que não conseguiria ou não fosse muito aconselhável partir sozinha nesta época deprimente e daí também a colocação do anúncio.
"Então e tu Sara? Tens irmãos?" aproveitou ele o contexto para finalmente descobrir mais sobre a sua misteriosa, e até então insondável, companheira de viagem.
"É engraçado, eu também tenho uma irmã mais nova, mas são só dois anos de diferença, ela tem 25.", respondi-lhe eu ainda a pensar no passado recente que me levou a precipitar nesta fuga.
"Aha, agora também já sei a tua idade, confesso que não pensei que fosses assim tão mais velha do que eu!"
"Vê lá se não ficas já por aqui na estrada, ó puto novo!", interrompi eu num tom ameaçador e ao mesmo tempo jocoso, sem que isso desfizesse a sombra de dúvidas que pairava no meu pensamento.
Desatámos a rir com as nossas conversas e continuámos de olhos na estrada, ávidos de paisagem como se corrêssemos quiómetros a pé numa planície sem destino, mas a querer chegar a algum lado, até que eu avistei uma placa a dizer "Setradinha do Alto" e virei à direita conforme tinha planeado.
Passámos este últimos dois dias a falar sobre nós e eu começo a pensar que lhe devia contar o verdadeiro motivo pelo qual embarquei nesta viagem. Perguntei-lhe pela família, por que não passava o Natal com eles, ao que ele me respondeu: "A minha mãe e a minha irmã moram no sul do país e como o meu pai trabalha em barcos e viaja por todo o mundo, eu fiquei de lá ir depois de Janeiro quando o meu pai também estiver em casa.
Entretanto, descobri que o Luís era mais novo que eu 5 anos, tinha portanto 23, e a irmã dele tinha apenas 16 anos. Toda esta história da família do Luís fez-me lembrar o motivo que me havia levado a fugir para bem longe nesta época e me deixava agora com uma sensação de angústia única semelhante à que senti há semanas atrás.
Dois dias antes de eu ter colocado o anúncio no jornal, o meu pai contou-me que eu e a Inês, minha irmã que tem apenas menos 3 anos que eu, temos mais dois irmãos, mais novos que nós. Que depois da minha mãe ter falecido aquando do parto da minha irmã, o meu pai que naturalmente ficara arrasado conheceu uma mulher que o apoiou bastante e com que ele mantém um relacionamento até hoje que resultara num filho com menos dois anos que a Inês e numa rapariga adolescente com 16 anos. Ainda me disse que todos estes anos, por várias vezes me quis contar, mas sempre esperava para quando eu e a minha irmã fôssemos mais velhas; que foi muito difícil para ele gerir esta situação, que quando dizia que ia em viagens de negócios e nos deixava com a dona Teresa, empregada em nossa casa, na verdade ia para o sul ter com a outra família que até hoje desconhecia a verdade... blábláblá... era o que às tantas eu ouvia, já que não escutei mais nada a partir daí...
Como é de se imaginar, eu fiquei completamente atónita, a pensar que ele estava a brincar comigo, seguiu-se então uma espécie de revolta crescente por ter sido enganada estes anos todos e quis fugir para bem longe. Assim fiz para que acontecesse, mas no fundo devia pensar que não conseguiria ou não fosse muito aconselhável partir sozinha nesta época deprimente e daí também a colocação do anúncio.
"Então e tu Sara? Tens irmãos?" aproveitou ele o contexto para finalmente descobrir mais sobre a sua misteriosa, e até então insondável, companheira de viagem.
"É engraçado, eu também tenho uma irmã mais nova, mas são só dois anos de diferença, ela tem 25.", respondi-lhe eu ainda a pensar no passado recente que me levou a precipitar nesta fuga.
"Aha, agora também já sei a tua idade, confesso que não pensei que fosses assim tão mais velha do que eu!"
"Vê lá se não ficas já por aqui na estrada, ó puto novo!", interrompi eu num tom ameaçador e ao mesmo tempo jocoso, sem que isso desfizesse a sombra de dúvidas que pairava no meu pensamento.
Desatámos a rir com as nossas conversas e continuámos de olhos na estrada, ávidos de paisagem como se corrêssemos quiómetros a pé numa planície sem destino, mas a querer chegar a algum lado, até que eu avistei uma placa a dizer "Setradinha do Alto" e virei à direita conforme tinha planeado.
sábado, 27 de dezembro de 2008
27 de Dezembro
Acordei com o barulho de um papel debaixo da porta. Olhei para o lado. Um papel amarelo enrolado visitava-me, levantei-me. “Estou no café, vem ter comigo logo que acordes.” Abri a porta, mas já descia as escadas ao fundo. Tomei banho, fui ter com ela. Desci, desta vez não estava só, outras pessoas tilintavam cafés ao balcão. Ela estava sentada, exactamente no mesmo local de ontem. Tinha um vestido azul e, desta vez o cabelo solto, e, também desta vez, impressionava.
“Olá Sara, desculpa se me atrasei”
“Não te atrasaste… esquecemos de combinar a hora. Seja como for, é muito cedo, deve ser uma daquelas horas que combinaríamos” Sorriu.
Pedi o meu pequeno-almoço.
“Então Sara, e onde vamos hoje, em frente, certo?” perguntei com ironia.
“Sim, em frente…”
Enquanto tomava o pequeno-almoço pouco principesco ela começou a ler um jornal. Olhei para ela, que se distanciava agora em notícias. Cada vez ela me intrigava mais, e era precisamente quando se distraía com algo insignificante, que mais me questionava quem seria a minha companheira de viagem. Comecei também a ler um outro jornal. Diferente, mas curiosamente, com as mesmas insignificantes notícias na capa. O mundo não havia mudado desde ontem. Bem, talvez um pouco.. “Sim, em frente..” pensei…
Avançamos para o carro, colocámos as nossas malas, e à medida que saíamos da cidade apercebiamo-nos que o local ainda era mais feio do que imaginávamos. Parecia uma cidade dormitório, com inúmeros camiões pelas várias ruas e pelas várias vidas que ali habitavam. Saímos do centro para uma periferia triste e industrializada.
“Luís, e tu fazes?” – Perguntou-me ela enquanto acelerava o carro numa estrada agora novamente livre.
“Bem, dou apoio a queimaduras solares ao domicílio.”
“Como?” Espantou-se e olhou para mim.
“Sim, quando as pessoas têm alguma queimadura solar, telefonam para uma linha de apoio e vou a casa delas vender creme para a queimadura”
“Esse é o emprego mais tonto que alguma vez ouvi” Riu-se. “Mas também trabalhas no Inverno?”
“Sim, mas menos. No Inverno vendo essencialmente aos Islandeses e Lapões que nos visitam”
“É definitivamente o emprego mais tonto que ouvi.”
“Estou de acordo” Disse. “E tu, que fazes?”
“Faço arcos para violoncelos”
Queria dizer também que era um trabalho parvo.. mas na verdade, achei-o fantástico. “ E fazes muitos?”
“Cerca de 5 por mês. Faço uns de um modelo octagonal e vendo para músicos das orquestras de Tallinin, Hamburgo, Estrasburgo e Cracóvia.”
Ainda a querer-me vingar da consideração pelo meu emprego perguntei: “E só fazes 5 por mês”
“Sim”… Não me consegui vingar com a resposta seca a alguém que não percebia nada do assunto.
“Mas e o que fazem os teus arcos serem apreciados por essas orquestras?”
“Prometes que nunca que te vais dedicar ao negócio dos arcos de violino?” perguntou a sorrir.
“Prometo..”
“Faço a curvatura dos arcos um modo passivo e num ambiente húmido durante exactamente 12 dias, coloco-os em ambiente seco durante 3 dias compenso a curvatura final num sobre lume forte no final.”
Não percebi nada, mas ainda assim perguntei “E como descobriste essa técnica”
“Por um mero acaso, num livro antigo que encontrei num arquivo de uma biblioteca”
“E têm feito sucesso os teus arcos?"
“Cada vez mais” – Mais uma vez pareceu-me um trabalho fantástico…
“E sabes.., essa é a razão porque tenho todos esses sacos e caixas”
“Como assim?”
“Trago muitas ferramentas e madeira para fazer os tais arcos?” Disse, e sorriu para dentro.
“Mas vais trabalhar durante esta viagem?”
“Não… só quando chegarmos ao destino final”
“Olá Sara, desculpa se me atrasei”
“Não te atrasaste… esquecemos de combinar a hora. Seja como for, é muito cedo, deve ser uma daquelas horas que combinaríamos” Sorriu.
Pedi o meu pequeno-almoço.
“Então Sara, e onde vamos hoje, em frente, certo?” perguntei com ironia.
“Sim, em frente…”
Enquanto tomava o pequeno-almoço pouco principesco ela começou a ler um jornal. Olhei para ela, que se distanciava agora em notícias. Cada vez ela me intrigava mais, e era precisamente quando se distraía com algo insignificante, que mais me questionava quem seria a minha companheira de viagem. Comecei também a ler um outro jornal. Diferente, mas curiosamente, com as mesmas insignificantes notícias na capa. O mundo não havia mudado desde ontem. Bem, talvez um pouco.. “Sim, em frente..” pensei…
Avançamos para o carro, colocámos as nossas malas, e à medida que saíamos da cidade apercebiamo-nos que o local ainda era mais feio do que imaginávamos. Parecia uma cidade dormitório, com inúmeros camiões pelas várias ruas e pelas várias vidas que ali habitavam. Saímos do centro para uma periferia triste e industrializada.
“Luís, e tu fazes?” – Perguntou-me ela enquanto acelerava o carro numa estrada agora novamente livre.
“Bem, dou apoio a queimaduras solares ao domicílio.”
“Como?” Espantou-se e olhou para mim.
“Sim, quando as pessoas têm alguma queimadura solar, telefonam para uma linha de apoio e vou a casa delas vender creme para a queimadura”
“Esse é o emprego mais tonto que alguma vez ouvi” Riu-se. “Mas também trabalhas no Inverno?”
“Sim, mas menos. No Inverno vendo essencialmente aos Islandeses e Lapões que nos visitam”
“É definitivamente o emprego mais tonto que ouvi.”
“Estou de acordo” Disse. “E tu, que fazes?”
“Faço arcos para violoncelos”
Queria dizer também que era um trabalho parvo.. mas na verdade, achei-o fantástico. “ E fazes muitos?”
“Cerca de 5 por mês. Faço uns de um modelo octagonal e vendo para músicos das orquestras de Tallinin, Hamburgo, Estrasburgo e Cracóvia.”
Ainda a querer-me vingar da consideração pelo meu emprego perguntei: “E só fazes 5 por mês”
“Sim”… Não me consegui vingar com a resposta seca a alguém que não percebia nada do assunto.
“Mas e o que fazem os teus arcos serem apreciados por essas orquestras?”
“Prometes que nunca que te vais dedicar ao negócio dos arcos de violino?” perguntou a sorrir.
“Prometo..”
“Faço a curvatura dos arcos um modo passivo e num ambiente húmido durante exactamente 12 dias, coloco-os em ambiente seco durante 3 dias compenso a curvatura final num sobre lume forte no final.”
Não percebi nada, mas ainda assim perguntei “E como descobriste essa técnica”
“Por um mero acaso, num livro antigo que encontrei num arquivo de uma biblioteca”
“E têm feito sucesso os teus arcos?"
“Cada vez mais” – Mais uma vez pareceu-me um trabalho fantástico…
“E sabes.., essa é a razão porque tenho todos esses sacos e caixas”
“Como assim?”
“Trago muitas ferramentas e madeira para fazer os tais arcos?” Disse, e sorriu para dentro.
“Mas vais trabalhar durante esta viagem?”
“Não… só quando chegarmos ao destino final”
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
13 de Dezembro
As pessoas olhavam-nos como se soubessem o que nos tinhamos feito e qual era o nosso plano de viagem... ou senao era so mesmo a minha habitual paranoia a dar-me conta de que tambem tinha vindo viajar comigo.
O Luis, por sua vez, devia achar-me a tipica mulher que traz a casa toda atras e claro que depois pareceu ficar espantado com o facto de eu dizer que das 6 malas que eu trazia na bagageira apenas precisava de uma para a noite que ia ficar naquele albergue caseiro mas que para mim tinha um ar demasiado industrial, antes preferia-o de madeira com uma lareira ao fundo e quem sabe umas meias la dependuradas a fingir que esperam pelo pai natal.
E, era assim que eu me queria sentir: uma foragida, unica personagem langorosa a preto e branco num filme natalicio, colorido, pleno de enfeites e de movimento.
Pronto, esta bem, o Luis, meu companheiro de viagem tambem foragido e a preto e branco, podia ser um fiel escudeiro, um conselheiro, o Sancho Panca e Dr. Watson neste meu filme.
Comeco a preocupar-me com o que o Luis pensa sobre mim; se ele acha que sou mesmo louca, e foi por isso que, enquanto jantavamos no albergue vazio onde a senhora proprietaria se ia queixando do sopro gelido da ma fortuna que a havia encerrado naquela pequena area da nao muito maior Vila Nova de Briteiros, que perguntei a minha amistosa companhia: "Diz-me uma coisa, quais e que eram as tuas expectativas em relacao a mim? Se e que as tinhas... bem, o que eu queria saber era o que e que pensas sobre mim... quero dizer, achas que sou meio louca, insconsciente ou assim algo do genero? Estas a vontade para me dizer. So estava aqui a pensar, com tudo isto, nao sei, nao quereras ir de volta para Lisboa?
O Luis interrompeu-me, antes que eu me esticasse ainda mais naquela verborreia indecisa: "Sara, e claro que nao. Ainda agora comecamos esta viagem que me esta a parecer muito interessante, por isso promete!
Nao pude senao sorrir, tambem grata por ele me ter calado com essas afirmacoes reconfortantes. Apercebi-me que era a primeira vez que tinha falado com ele num tom mais indeciso e confuso, bem ao contrario da mulher independente e determinada com quem ele tinha iniciado esta viagem.
Falamos durante horas ao jantar e a senhora teve que nos "expulsar" da sala sugerindo que continuassemos a conversa la em cima, que era onde ficavam os quartos, o que eu momentaneamente achei engracado dada a situacao, apesar de nao gostar da senhora nem um pouco pois ela lembrava-me demasiado uma velha provinciana, muito mesquinha, com que me cruzara noutra vida.
Nao seguimos o conselho ofensivo da senhora, pois ambos sabiamos que ja era bastante tarde e estavamos um tanto cansados da viagem. Nao dissemos mais nada senao "Boa noite" um ao outro, inconscientemente como quando nao se diz mais nada para nao estragar o momento.
O Luis, por sua vez, devia achar-me a tipica mulher que traz a casa toda atras e claro que depois pareceu ficar espantado com o facto de eu dizer que das 6 malas que eu trazia na bagageira apenas precisava de uma para a noite que ia ficar naquele albergue caseiro mas que para mim tinha um ar demasiado industrial, antes preferia-o de madeira com uma lareira ao fundo e quem sabe umas meias la dependuradas a fingir que esperam pelo pai natal.
E, era assim que eu me queria sentir: uma foragida, unica personagem langorosa a preto e branco num filme natalicio, colorido, pleno de enfeites e de movimento.
Pronto, esta bem, o Luis, meu companheiro de viagem tambem foragido e a preto e branco, podia ser um fiel escudeiro, um conselheiro, o Sancho Panca e Dr. Watson neste meu filme.
Comeco a preocupar-me com o que o Luis pensa sobre mim; se ele acha que sou mesmo louca, e foi por isso que, enquanto jantavamos no albergue vazio onde a senhora proprietaria se ia queixando do sopro gelido da ma fortuna que a havia encerrado naquela pequena area da nao muito maior Vila Nova de Briteiros, que perguntei a minha amistosa companhia: "Diz-me uma coisa, quais e que eram as tuas expectativas em relacao a mim? Se e que as tinhas... bem, o que eu queria saber era o que e que pensas sobre mim... quero dizer, achas que sou meio louca, insconsciente ou assim algo do genero? Estas a vontade para me dizer. So estava aqui a pensar, com tudo isto, nao sei, nao quereras ir de volta para Lisboa?
O Luis interrompeu-me, antes que eu me esticasse ainda mais naquela verborreia indecisa: "Sara, e claro que nao. Ainda agora comecamos esta viagem que me esta a parecer muito interessante, por isso promete!
Nao pude senao sorrir, tambem grata por ele me ter calado com essas afirmacoes reconfortantes. Apercebi-me que era a primeira vez que tinha falado com ele num tom mais indeciso e confuso, bem ao contrario da mulher independente e determinada com quem ele tinha iniciado esta viagem.
Falamos durante horas ao jantar e a senhora teve que nos "expulsar" da sala sugerindo que continuassemos a conversa la em cima, que era onde ficavam os quartos, o que eu momentaneamente achei engracado dada a situacao, apesar de nao gostar da senhora nem um pouco pois ela lembrava-me demasiado uma velha provinciana, muito mesquinha, com que me cruzara noutra vida.
Nao seguimos o conselho ofensivo da senhora, pois ambos sabiamos que ja era bastante tarde e estavamos um tanto cansados da viagem. Nao dissemos mais nada senao "Boa noite" um ao outro, inconscientemente como quando nao se diz mais nada para nao estragar o momento.
sábado, 13 de dezembro de 2008
06 de Dezembro
Entrávamos assim ao anoitecer na primeira localidade da nossa viagem. Nem S nem L, seguiríamos portanto em frente após Vila Nova de Briteiros. A vila era um local deserto e assustado com as primeiras luzes públicas que se acendiam. A nossa estrada dirigia-se a um centro empedrado e frio. No jardim público os poucos, solitários e envelhecidos habitantes, dirigiam-se agora, dispersos, para um jantar num local tão incerto para eles como insuspeito.
- Sara, não queres jantar aqui? - Perguntei.
- Pensava no mesmo, não comi nada toda a tarde .
- Nervosa com viagem? - Fiz a pergunta apesar de dificilmente a imaginar nervosa com algo.
- Não, apenas demorei muito tempo a fazer as malas.
- Trouxeste então muitas coisas? Como reparaste, não perdi muito tempo com isso...
- Sim, cerca de 6 malas. Ocupam toda a mala do carro, ainda bem que só trouxeste essa. - Sorriu novamente, desta vez para um ponto longínquo. Pela primeira vez pensei se ambos não teríamos em ideia viagens completamente diferentes.
Parámos o carro o centro da vila, quase ao lado da pequena e iluminada igreja. Confirmava-se a deserta terra. Do outro lado da rua, avistava-se uma discreta pensão com um restaurante em baixo, e nada mais parecia aberto.
- Luís, porque não ficamos hoje aqui? - Não me parecia um local interessante para visitar, mas servia perfeitamente para descansar.
- Parece-me excelente… - Saímos do carro. Dirigimo-nos à bagageira do carro, que ela abriu.
- Vais levar todas estas malas? - Perguntei
- Não, apenas preciso desta. - A resposta intrigou-me, para que serviriam as restantes. Tirei a pesada mala que carreguei para a pensão.
Abri a porta. No alto balcão de madeira da recepção faltava alguém de quem ouvíamos já os passos. Um grande aquecedor insistia em aquecer uma pequena sala de entrada onde não estava ninguém além de 3 revistas já com alguns meses. Olhámos um para o outro e acho que pela primeira vez ambos sorrimos ao mesmo tempo pela surreal experiência da qual éramos os únicos responsáveis. Apressadamente, chegou uma senhora que imediatamente disparou mesmo antes de olhar para nós:
- Não, acho que este ano também não vamos lá.. Os outros concorrentes são melhores. Pela televisão alta ao fundo, percebi que acompanhava algum programa de televisão, de algum concurso que não corria propriamente bem à pátria lusa.
- Tem quartos livres? - perguntou a Sara
- Menina, temos todos os quartos livres - respondeu desalentada, agora não só com o concurso, mas com o negócio da pensão.
- Queríamos dois então.
- Concerteza. - disse ela enquanto escrevinhava algo com um minúsculo lápis numa rasurada folha.
- Diga-me uma coisa, o restaurante está aberto? - Perguntei.
- Não está não, só o bar, mas se quiserem daqui a pouco baixo para fazer alguma coisa.
- Se não lhe for incómodo.. - disse a Sara
- Claro que não, esperem só um pouco até acabar de ver o concurso.
- Óptimo, nós vamos levar as nossas coisas para cima.
Deu-nos as chaves, enquanto, impaciente, desaparecia atrás do balcão. Subimos com as malas enquanto ao longe, a ouvíamos já a ralhar com o televisor.
- Vemo-nos em 20 minutos no restaurante, que achas? - Disse a Sara.
- Acho óptimo.
Cheguei ao tal número 14 da estranha chave, deitei-me um pouco, sem reacção na pequena cama do azulado quarto, que apesar de tudo, era muito confortável e espaçoso. Cada vez me parecia mais estranha a experiência de viagem, mas a intuição de que seria fascinante, era agora mais forte que nunca. Desci passado algum tempo para o restaurante, ainda faltava algum tempo para os tais 20 minutos. O restaurante ficava imediatamente ao lado da pensão, e naquela deserta terra, obviamente que o encontrei deserto. “Talvez toda a gente esteja a ver o tal concurso” Pensei. Desta vez havia alguém ao balcão, um senhor já idoso.
- Está na pensão e vem para jantar, não é? A cozinheira já me disse, ela já vem.
- Sim, não há pressa - De facto não havia mesmo. O senhor desapareceu no bar, deixando-me novamente sozinho.
Comecei a ler, sem interesse, o jornal que ali estava, mas que inclusivamente já tinha lido de manhã, na agora já longínqua Lisboa. Passado pouco tempo, aproximava-se a Sara. Vinha desta vez com o cabelo amarrado. Ficava-lhe igualmente bem.
- Posso me sentar? - Disse sorrindo.
- Sara, não queres jantar aqui? - Perguntei.
- Pensava no mesmo, não comi nada toda a tarde .
- Nervosa com viagem? - Fiz a pergunta apesar de dificilmente a imaginar nervosa com algo.
- Não, apenas demorei muito tempo a fazer as malas.
- Trouxeste então muitas coisas? Como reparaste, não perdi muito tempo com isso...
- Sim, cerca de 6 malas. Ocupam toda a mala do carro, ainda bem que só trouxeste essa. - Sorriu novamente, desta vez para um ponto longínquo. Pela primeira vez pensei se ambos não teríamos em ideia viagens completamente diferentes.
Parámos o carro o centro da vila, quase ao lado da pequena e iluminada igreja. Confirmava-se a deserta terra. Do outro lado da rua, avistava-se uma discreta pensão com um restaurante em baixo, e nada mais parecia aberto.
- Luís, porque não ficamos hoje aqui? - Não me parecia um local interessante para visitar, mas servia perfeitamente para descansar.
- Parece-me excelente… - Saímos do carro. Dirigimo-nos à bagageira do carro, que ela abriu.
- Vais levar todas estas malas? - Perguntei
- Não, apenas preciso desta. - A resposta intrigou-me, para que serviriam as restantes. Tirei a pesada mala que carreguei para a pensão.
Abri a porta. No alto balcão de madeira da recepção faltava alguém de quem ouvíamos já os passos. Um grande aquecedor insistia em aquecer uma pequena sala de entrada onde não estava ninguém além de 3 revistas já com alguns meses. Olhámos um para o outro e acho que pela primeira vez ambos sorrimos ao mesmo tempo pela surreal experiência da qual éramos os únicos responsáveis. Apressadamente, chegou uma senhora que imediatamente disparou mesmo antes de olhar para nós:
- Não, acho que este ano também não vamos lá.. Os outros concorrentes são melhores. Pela televisão alta ao fundo, percebi que acompanhava algum programa de televisão, de algum concurso que não corria propriamente bem à pátria lusa.
- Tem quartos livres? - perguntou a Sara
- Menina, temos todos os quartos livres - respondeu desalentada, agora não só com o concurso, mas com o negócio da pensão.
- Queríamos dois então.
- Concerteza. - disse ela enquanto escrevinhava algo com um minúsculo lápis numa rasurada folha.
- Diga-me uma coisa, o restaurante está aberto? - Perguntei.
- Não está não, só o bar, mas se quiserem daqui a pouco baixo para fazer alguma coisa.
- Se não lhe for incómodo.. - disse a Sara
- Claro que não, esperem só um pouco até acabar de ver o concurso.
- Óptimo, nós vamos levar as nossas coisas para cima.
Deu-nos as chaves, enquanto, impaciente, desaparecia atrás do balcão. Subimos com as malas enquanto ao longe, a ouvíamos já a ralhar com o televisor.
- Vemo-nos em 20 minutos no restaurante, que achas? - Disse a Sara.
- Acho óptimo.
Cheguei ao tal número 14 da estranha chave, deitei-me um pouco, sem reacção na pequena cama do azulado quarto, que apesar de tudo, era muito confortável e espaçoso. Cada vez me parecia mais estranha a experiência de viagem, mas a intuição de que seria fascinante, era agora mais forte que nunca. Desci passado algum tempo para o restaurante, ainda faltava algum tempo para os tais 20 minutos. O restaurante ficava imediatamente ao lado da pensão, e naquela deserta terra, obviamente que o encontrei deserto. “Talvez toda a gente esteja a ver o tal concurso” Pensei. Desta vez havia alguém ao balcão, um senhor já idoso.
- Está na pensão e vem para jantar, não é? A cozinheira já me disse, ela já vem.
- Sim, não há pressa - De facto não havia mesmo. O senhor desapareceu no bar, deixando-me novamente sozinho.
Comecei a ler, sem interesse, o jornal que ali estava, mas que inclusivamente já tinha lido de manhã, na agora já longínqua Lisboa. Passado pouco tempo, aproximava-se a Sara. Vinha desta vez com o cabelo amarrado. Ficava-lhe igualmente bem.
- Posso me sentar? - Disse sorrindo.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
05 Dezembro
Divertia-me o ar meio terrificado, meio ingenuo com que ele ficava a olhar para mim; confesso que ate me apetecia dizer mais coisas absolutamente descabidas precisamente pelo seu ar! Era como se alem de conduzir o carro e consequentemente o nosso destino de viagem, tambem estivesse a conduzir aquela danca juvenil e misteriosa entre nos.
Gostei particularmente de quando, depois de me ter perguntado para onde iamos e eu ter inventado uma historia de que seguiriamos a esquerda se aparecesse uma placa com o nome de uma terra comecada por L (por ser a primeira letra do nome dele) e se comecasse por S viraria a direita ate quando pudesse.
Dei comigo a pensar, "incrivel como a maioria das pessoas consegue comunicar independentemente de se conhecer, existe sempre assunto, ou vai-se inventado". Esta necessidade de saber quem e o outro, de explorar os recantos da mente de alguem, sem mesmo ter qualquer outro interesse ou objectivo tracado, e para mim altamente estranho agora que penso nisso.
Bem, depois da minha invencao de itinerario assim feita a pressao, o Luis parecia estar tao chocado comigo que as tantas perguntei-lhe com tom um pouco jocoso: "Porque e que estas assim tao surpreendido, tens medo?"
Ele respondeu-me imediatamente: "Claro que nao, afinal fui eu que respondi ao teu anuncio, por isso devo ser mais louco que tu!". Desatamos a rir, coerentes com a constatacao da nossa loucura, ate que ao olhar pelos vidros um pouco embaciados comecaram a luzir estrelas liquidas, cor de laranja, rosa e num crescendo de cores folcloricas pela vila onde entravamos o nosso riso se extinguiu pela lembranca da epoca em que estavamos.
Pensei brevemente: "Loucura muito seria, a nossa...".
Gostei particularmente de quando, depois de me ter perguntado para onde iamos e eu ter inventado uma historia de que seguiriamos a esquerda se aparecesse uma placa com o nome de uma terra comecada por L (por ser a primeira letra do nome dele) e se comecasse por S viraria a direita ate quando pudesse.
Dei comigo a pensar, "incrivel como a maioria das pessoas consegue comunicar independentemente de se conhecer, existe sempre assunto, ou vai-se inventado". Esta necessidade de saber quem e o outro, de explorar os recantos da mente de alguem, sem mesmo ter qualquer outro interesse ou objectivo tracado, e para mim altamente estranho agora que penso nisso.
Bem, depois da minha invencao de itinerario assim feita a pressao, o Luis parecia estar tao chocado comigo que as tantas perguntei-lhe com tom um pouco jocoso: "Porque e que estas assim tao surpreendido, tens medo?"
Ele respondeu-me imediatamente: "Claro que nao, afinal fui eu que respondi ao teu anuncio, por isso devo ser mais louco que tu!". Desatamos a rir, coerentes com a constatacao da nossa loucura, ate que ao olhar pelos vidros um pouco embaciados comecaram a luzir estrelas liquidas, cor de laranja, rosa e num crescendo de cores folcloricas pela vila onde entravamos o nosso riso se extinguiu pela lembranca da epoca em que estavamos.
Pensei brevemente: "Loucura muito seria, a nossa...".
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
04 de Dezembro
O carro percorria agora solitário a auto-estrada, num fim-de-tarde que escurecia a paisagem num tom laranja.
- Sara, e para onde vamos? - Disse, recostando-me no confortável banco e na óbvia pergunta. Ela sorriu, com o mesmo sorriso de olhos negros que me viu aproximar do carro, na agora já distante, Praça da Reconquista.
- Pois, também não sei... - Ri com a resposta.
- E quanto tempo será a viagem a esse lugar que não sabes?
- Obviamente que também não sei... - Disse sorrindo, enquanto, pela primeira vez me olhava de frente. Continuou:
- Mas Luís, alguém, como tu, que aceita um simples convite para uma viagem com alguém que desconhece, não se deve preocupar com esses, digamos, detalhes. Certo? - Sorriu, novamente, e novamente os olhos pretos agora ainda mais desconcertantes.
- Bem, não sei se serão exactamente detalhes... – Ironizei, enquanto novamente voltava a olhar para a frente, para um estrada cada vez mais intrigante.
- Mas para que saibas, existe um plano, uma espécie de desafio ao destino.
- Como assim?
- Sim, um plano. E agora vais perceber que eu sou completamente louca. - Riu novamente com ironia e continuou:
- Sabes, queria fazer uma viagem que fosse o mais próximo possível de um acaso, e para isso precisava de ti?
- Não entendi...
- Pensei em fazer uma viagem começando em Lisboa. Quando chegasse a uma terra em que a primeira letra começasse por S, porque o meu nome é Sara, no cruzamento seguinte, em que houvesse indicações para várias terras, viraria para o dado direito. Quando houvesse uma terra que iniciasse o nome por uma outra determinada outra letra, viraria à esquerda. - Estava meio atordoado com a estranha explicação e, desta vez, com a solenidade com que foi dita. Continuou:
- Ora, não percebeste, pela letra inicial do nome da pessoa que o acaso me levaria até este carro. - E sorriu novamente, agora apercebendo-se do meu espanto.
- Portanto, a letra L do meu nome..
- Exacto, quando aparecer uma terra que inicie por L, no cruzamento seguinte com indicações para várias terras, deveremos virar à esquerda. - Recostei-me novamente e percebia agora que ela se sustinha para não rir desalmadamente, divertia-a profundamente o meu ar de espanto. Fiz algum silêncio por momento.
- Mas Sara, continuando assim iremos acabar…
- Certo, muito provavelmente junto ao mar, em alguma parte da costa.
- Exacto, mas quanto tempo levará isso? Não sabes, certo?
- Certo..!
- Pois, que raio de pergunta a minha... - Acompanhado de um sorriso que novamente se sustinha ao meu lado, a noite caía agora, mais incerta e fascinante que nunca.
- Sara, e para onde vamos? - Disse, recostando-me no confortável banco e na óbvia pergunta. Ela sorriu, com o mesmo sorriso de olhos negros que me viu aproximar do carro, na agora já distante, Praça da Reconquista.
- Pois, também não sei... - Ri com a resposta.
- E quanto tempo será a viagem a esse lugar que não sabes?
- Obviamente que também não sei... - Disse sorrindo, enquanto, pela primeira vez me olhava de frente. Continuou:
- Mas Luís, alguém, como tu, que aceita um simples convite para uma viagem com alguém que desconhece, não se deve preocupar com esses, digamos, detalhes. Certo? - Sorriu, novamente, e novamente os olhos pretos agora ainda mais desconcertantes.
- Bem, não sei se serão exactamente detalhes... – Ironizei, enquanto novamente voltava a olhar para a frente, para um estrada cada vez mais intrigante.
- Mas para que saibas, existe um plano, uma espécie de desafio ao destino.
- Como assim?
- Sim, um plano. E agora vais perceber que eu sou completamente louca. - Riu novamente com ironia e continuou:
- Sabes, queria fazer uma viagem que fosse o mais próximo possível de um acaso, e para isso precisava de ti?
- Não entendi...
- Pensei em fazer uma viagem começando em Lisboa. Quando chegasse a uma terra em que a primeira letra começasse por S, porque o meu nome é Sara, no cruzamento seguinte, em que houvesse indicações para várias terras, viraria para o dado direito. Quando houvesse uma terra que iniciasse o nome por uma outra determinada outra letra, viraria à esquerda. - Estava meio atordoado com a estranha explicação e, desta vez, com a solenidade com que foi dita. Continuou:
- Ora, não percebeste, pela letra inicial do nome da pessoa que o acaso me levaria até este carro. - E sorriu novamente, agora apercebendo-se do meu espanto.
- Portanto, a letra L do meu nome..
- Exacto, quando aparecer uma terra que inicie por L, no cruzamento seguinte com indicações para várias terras, deveremos virar à esquerda. - Recostei-me novamente e percebia agora que ela se sustinha para não rir desalmadamente, divertia-a profundamente o meu ar de espanto. Fiz algum silêncio por momento.
- Mas Sara, continuando assim iremos acabar…
- Certo, muito provavelmente junto ao mar, em alguma parte da costa.
- Exacto, mas quanto tempo levará isso? Não sabes, certo?
- Certo..!
- Pois, que raio de pergunta a minha... - Acompanhado de um sorriso que novamente se sustinha ao meu lado, a noite caía agora, mais incerta e fascinante que nunca.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
03 de Dezembro
"Esquece a vida, esquece o mundo e anda!", foi o que eu disse há muitos anos atrás a uma amiga e hoje resolvi seguir o meu próprio conselho.
Já que esta época enregelada, de memórias tristes, não tem nada para me oferecer nem eu a ela, por que não me afastar de tudo e ir de férias? Pode ser tomado como cobardia: fugir às festas deprimentes, ao superficial consumismo e às aparências de laços familiares cujo nó só é dado forçosamente uma vez por ano numa confusão tão atordoante de comezainas e oferendas eufóricas, que ninguém se apercebe bem do que se passa. Eu tomo como um acto de liberdade.
Na verdade, não pensei muito nisto e ainda bem, porque assim não me dei à hipótese de desistir.
Por mais doido que possa parecer, há uma semana atrás, coloquei um anúncio a dizer que se procurava companhia para viajar durante o mês de Dezembro com partida a 02 Dez. na Praça da Reconquista, num daqueles sites que há para anunciar de borla - até porque o meu esforço não era muito e não me parecia provável que alguém respondesse dada a loucura do pretendido. Se alguém viesse, óptimo - especialmente para partilhar as despesas -, sempre dependi da bondade de estranhos... Estou a brincar, mas quem já marcou um encontro com um desconhecido sabe o mundo de possibilidades, o novo começo de algo, que isso proporciona, e talvez até consiga nem que por instantes apagar quem foi até então.
Não é que tive resposta ao anúncio? A única coisa que eu pedia, já mais consciente daquilo que tinha iniciado, era que não fosse ninguém mais maluco do que eu. Cheguei à praça uns minutos antes para conseguir parar o carro e vi um tipo, jovem, com um ar meio desligado, que me parecia ser quem me contactou pois tinha-me dito que estaria com uma mochila cinzenta à espera no local indicado. Fiz uns sinais de luzes e ele denunciou-se, entrou no carro, colocou a mochila, que logo achei pequena demais para uma viagem de um mês, nos bancos de trás e apresentou-se como sendo o Luís. Eu só lhe disse "Olá, eu sou a Sara. Vamos andando?" e ele limitou-se a anuir sorridente, acenando com a cara para cima e para baixo. A cara dele não me era estranha, mas admito que hoje em dia apesar de me serem pessoas estranhas têm todas caras com traços que reconheço talvez por associação. Instalou-se um silêncio para o qual eu tinha a desculpa de ter de estar concentrada para fintar as ruas apinhadas da cidade e ainda pensei em ligar o rádio, mas tal acto naquelas circunstâncias poderia ser considerado como opressor do diálogo. Assim seguimos até à auto-estrada. Curiosamente, depois de sairmos da atribulação que parecia nos contranger a fala, e estarmos desafogados na auto-estrada, começámos a conversar sobre de onde tínhamos vindo e porque é que nos tínhamos aventurado nesta viagem no inóspito mês de Dezembro.
Já que esta época enregelada, de memórias tristes, não tem nada para me oferecer nem eu a ela, por que não me afastar de tudo e ir de férias? Pode ser tomado como cobardia: fugir às festas deprimentes, ao superficial consumismo e às aparências de laços familiares cujo nó só é dado forçosamente uma vez por ano numa confusão tão atordoante de comezainas e oferendas eufóricas, que ninguém se apercebe bem do que se passa. Eu tomo como um acto de liberdade.
Na verdade, não pensei muito nisto e ainda bem, porque assim não me dei à hipótese de desistir.
Por mais doido que possa parecer, há uma semana atrás, coloquei um anúncio a dizer que se procurava companhia para viajar durante o mês de Dezembro com partida a 02 Dez. na Praça da Reconquista, num daqueles sites que há para anunciar de borla - até porque o meu esforço não era muito e não me parecia provável que alguém respondesse dada a loucura do pretendido. Se alguém viesse, óptimo - especialmente para partilhar as despesas -, sempre dependi da bondade de estranhos... Estou a brincar, mas quem já marcou um encontro com um desconhecido sabe o mundo de possibilidades, o novo começo de algo, que isso proporciona, e talvez até consiga nem que por instantes apagar quem foi até então.
Não é que tive resposta ao anúncio? A única coisa que eu pedia, já mais consciente daquilo que tinha iniciado, era que não fosse ninguém mais maluco do que eu. Cheguei à praça uns minutos antes para conseguir parar o carro e vi um tipo, jovem, com um ar meio desligado, que me parecia ser quem me contactou pois tinha-me dito que estaria com uma mochila cinzenta à espera no local indicado. Fiz uns sinais de luzes e ele denunciou-se, entrou no carro, colocou a mochila, que logo achei pequena demais para uma viagem de um mês, nos bancos de trás e apresentou-se como sendo o Luís. Eu só lhe disse "Olá, eu sou a Sara. Vamos andando?" e ele limitou-se a anuir sorridente, acenando com a cara para cima e para baixo. A cara dele não me era estranha, mas admito que hoje em dia apesar de me serem pessoas estranhas têm todas caras com traços que reconheço talvez por associação. Instalou-se um silêncio para o qual eu tinha a desculpa de ter de estar concentrada para fintar as ruas apinhadas da cidade e ainda pensei em ligar o rádio, mas tal acto naquelas circunstâncias poderia ser considerado como opressor do diálogo. Assim seguimos até à auto-estrada. Curiosamente, depois de sairmos da atribulação que parecia nos contranger a fala, e estarmos desafogados na auto-estrada, começámos a conversar sobre de onde tínhamos vindo e porque é que nos tínhamos aventurado nesta viagem no inóspito mês de Dezembro.
02 de Dezembro
“Ridículo”.. era tudo o que pensava enquanto descia as íngremes escadas de madeira do prédio e “Ridículo” era só o que lhe ocorria enquanto descia, devagar, a íngreme rua empedrada. “Procura-se companhia para uma viagem a realizar durante o mês de Dezembro, dia 02 de Dezembro, 18:00, Praça da Reconquista - Lisboa, confirmar para 345632773”. Até o próprio anúncio no jornal era ridículo “Onde estava eu com a cabeça?”. Era verdade que Dezembro era mês ideal para férias do negócio de apoio a queimaduras solares ao domicílio.. “Mas porquê com alguém que desconheço. Em que raio pensava eu..?” As oscilantes e irregulares ruas do bairro terminaram na rectilínea e rectangular praça da Reconquista. “Sim, estarei com uma pequena mochila cinzenta”. Sorri, com sarcasmo por mim mesmo, pela resposta que houvera dado ao estranho anúncio. O inesperado sol daquele dia desaparecia, com o passo apressado das últimas compras na praça. Cheguei finalmente e sentei-me no centro, junto aquela estranhíssima e recente torre de luzes a piscar.. “Nem imagino quem seja…” Reparei no relógio, eram precisamente 18:02 “Devia era ir-me embora” Foi então que reparei num carro que, estacionado, a um canto da praça acendeu e desligou as luzes 2 vezes. Não me pareceu que fosse solidariedade natalícia com a gigantesca e desordenada torre de luzes no centro da praça. Creio mesmo que já lá estava quando cheguei. Aproximei-me. A janela do velho e branco carro abriu-se com um sorriso. “Vens para a viagem?” Cheguei até a imaginar uma mulher como companhia para a viagem, mas não imaginei ninguém assim “Sim foi eu que te respondi, chamo-me Luís.” Entrei no carro e coloquei a mochila nos bancos de trás do carro. O carro começou a andar, a praça agora era um local escuro abandonado às mil cores que piscavam. “E tu, como te chamas?”
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- Assim de repente: um conto online onde escrevem dois estranhos, que se encontram apenas num blog, na época mais deprimente do ano.